Junho é apelidado como o Mês do Orgulho LGBTQIA+ por, em 1969, ter sido marcado pela Revolta de Stonewall, um dos mais representativos episódios destes movimentos. Junho é, por isso, um mês que assinala a luta pelos Direitos das pessoas LGBTQIA+ ao longo dos anos, para além de marcar a importância de continuar-se a trilhar um caminho sociopolítico nesse sentido.
Antes de abordarmos especificamente a saúde mental enquanto um dos direitos defendidos por estes movimentos, é essencial conhecermos mais sobre a diversidade sexual e de género, nomeadamente através da compreensão de conceitos como identidade e expressão de género, orientação sexual e características à nascença.
Os termos que se seguem deverão ser compreendidos e utilizados como ferramentas de conhecimento da realidade, respeitando a diversidade de vivências e a autodeterminação de cada pessoa.
As características sexuais, usualmente designadas enquanto sexo, dizem respeito ao conjunto de características genitais, hormonais, cromossómicas e genéticas que poderão permitir definir o sexo de uma pessoa. Apesar do sexo ser, habitualmente, atribuído e presumido à nascença numa base dicotómica (presença de pénis/testículos-sexo masculino; presença de vulva- sexo feminino), existem pessoas cujas características sexuais não se enquadram nesta dicotomia, sendo denominadas pessoas intersexo (APA, 2012; APA & NASP, 2015; Macedo, 2018).
A identidade de género diz respeito ao género com a qual nos identificamos, sendo caracterizada como uma experiência subjetiva e autodeterminada, que permite múltiplas possibilidades, consistentes ou não com o sexo atribuído (OPP, 2020). Associado ao conceito de identidade de género, surgem pessoa cis e pessoa trans. Pessoa cis descreve pessoas que se identificam com o género e/ou sexo atribuído a nascença. Já pessoa trans descreve pessoas que não se identificam com o género e/ou sexo atribuído a nascença, podendo, ou não, identificar-se dentro das noções binárias de género (e.g., mulher trans; pessoa não binária) (APA, 2015; Coleman et al., 2022, Macedo, 2018).
A expressão de género respeita à forma como cada pessoa manifesta a sua pertença de género, seja ela através de vestuário ou, por exemplo, do uso de determinados pronomes (e.g., ela/dela). Embora a expressão de género seja frequentemente descrita com base na sua proximidade ou afastamento das normas sociais associadas ao feminino, masculino ou andrógino, ela não precisa, necessariamente, de seguir essas normas. Pode ser fluida e alterar-se ao longo do tempo, conforme as experiências vividas e os contextos culturais e temporais em que a pessoa está inserida (APA, 2015; Coleman et al., 2022, Macedo, 2018).
A orientação sexual refere-se à presença ou ausência de uma atração emocional, romântica e/ou sexual duradoura por outras pessoas, podendo estar relacionada com o sexo ou a identidade de género dessas pessoas (APA, 2012; APA & NASP, 2015; Macedo, 2018). Associado ao conceito de orientação sexual, surge pessoa alossexual e pessoa assexual. Pessoa alossexual descreve pessoas que sentem atração e desejo sexual recorrente por outras pessoas (e.g., heterossexual, homossexual, bissexual, entre outras), enquanto que pessoa assexual retrata pessoas que, habitualmente, não sentem atração ou desejo sexual por outras pessoas, podendo sentir (ou não) atração afetiva e/ou romântica (Ciasca et al., 2021).
Após um enquadramento sobre conceitos e terminologias, é essencial compreender a importância do investimento na saúde mental das pessoas LGBTQIA+. A saúde mental é um dos direitos fundamentais que procura ser defendido, pelo que se torna essencial refletir sobre o impacto que o contexto sociopolítico poderá ter.
Em 1974, a Liberdade pareceu instalar-se em Portugal, mas isso não foi sentido de imediato por todas as pessoas. Os direitos hoje vivenciados por pessoas LGBTQIA+ em Portugal, como o casamento, a adoção, a alteração de nome e outros relacionados com a sua autodeterminação, só vieram a ser garantidos vários anos mais tarde (e.g., Lei n.º 38/2018). Apesar de Portugal ser, de um ponto de vista legislativo, um país que procura dar resposta às necessidades das pessoas LGBTQIA+, o estigma, o preconceito e a discriminação continuam ainda muito presentes na sociedade (ILGA, 2023). Nem sempre estão presentes de forma audível e flagrante, mas não deixam de impactar quem vê a sua identidade sexual e/ou de género descredibilizada, invisibilizada e violentada. O constante contacto com mensagens diretas ou subliminares sobre a não pertença e a rejeição têm impacto na forma como nos vemos, vemos as outras pessoas e o mundo (McCormick, A. et al., 2018). Vários são os estudos, relatórios e observatórios (e.g., EQUINET, 2024) que mostram estes efeitos na saúde mental de pessoas LGBTQIA+, no desenvolvimento de perturbações mentais e, ainda, na adoção de comportamentos de risco. Não é a identidade que torna as pessoas LGBTQIA+ mais suscetíveis a problemas de saúde mental mas sim as agressões constantes de que são alvo (Meyer, 2003). A procura por cuidados de saúde torna-se, assim, fundamental.
Apesar do direito à proteção da saúde ser um direito fundamental em Portugal, as pessoas LGBTQIA+ continuam a sentir maiores dificuldades principalmente no que diz respeito a respostas profissionais adequadas e adaptadas às suas necessidades (e.g., ILGA, 2023; Moita, G., 2006) . Quando falamos de saúde mental devemos entendê-la de forma intersecional e dependente dos contextos sociais, políticos e económicos, de forma a que a mesma seja sensível às especificidades das vivências pessoais e grupais (Ciasca, 2021). Profissionais com competência e conhecimento são essenciais para oferecer serviços que promovem a dignidade e bem-estar das pessoas LGBTQIA+ (OPP, 2020). Assim, formação especializada, experiência comprovada, adoção de uma postura empática, linguagem inclusiva e intervenção com base numa abordagem afirmativa poderão ser critérios a ter em conta na procura de cuidados de saúde mental.
Apesar de poderem, ainda, ser identificadas diversas lacunas no contexto sociopolítico e no contexto da saúde, é determinante o reconhecimento dos esforços constantes de coletivos e associações na promoção dos direitos das pessoas LGBQIA+, na promoção da igualdade e no combate às várias formas de violência. Entre elas, a ILGA, a Casa Qui, a Bússola, o Centro Gis, a Associação Anémona, o Clube Rainbow, que se apresentam como um recurso útil e adicional à vida das pessoas, grupos e comunidades, através de projetos de promoção da educação sexual nas escolas, na contribuição da organização de marchas ou no atendimento psicológico de pessoas LGBTQIA+ a custos reduzidos/gratuitos.
Além do trabalho realizado por estas associações e coletivos, o envolvimento de pessoas aliadas constitui-se como necessário na defesa dos Direitos Humanos. Ser uma pessoa aliada é uma prática diária. É reconhecer os próprios privilégios e utilizá-los em prol de quem talvez não os tenha. Pode ser-se pessoa aliada através de ouvir sem julgar, usar linguagem mais inclusiva, corrigir comentários/“piadas” preconceituosos/as, apoiar associações, negócios e projetos de pessoas LGBTQIA+ ou até participar em marchas.