“Põe o iogurte na torradeira”
“Qual é mesmo o nome dele?”
“Estamos mesmo em que mês?”

São trechos de algumas das coisas que já proferi durante a gravidez. Estou grávida do segundo filho, e nas duas gravidez é raro o dia em que não penso ou digo “oh, é o cérebro de grávida”. Terá isto alguma explicação científica ou é apenas um mito?

Normalmente utilizamos a expressão “cérebro de grávida” para nos referirmos a esquecimentos, lapsos de memória, confusão mental, dificuldade de concentração e dispersão durante a gravidez. Atualmente vemos, com frequência, frases e hashtags com expressões como “cérebro de mãe”, “cérebro grávido”, “mãeamnésia”.

A gravidez reorganiza rapidamente o cérebro

De entre todas as mudanças fascinantes que ocorrem durante a gravidez, o cérebro reorganiza-se para poder responder às exigências maternais.

A verdade é que a gravidez altera estruturalmente o cérebro, levando, por exemplo, à perda de matéria cinzenta. Mas é importante sabermos que perda, neste contexto, não é necessariamente mau – às vezes é preciso reduzir para acrescentar. Desta forma, podemos olhar para esta perda como um processo de ajustamento para tornar o cérebro mais eficiente e focado naquilo em que tem, realmente, de estar focado. Assim, o que acontece é que o cérebro reorganiza as suas conexões e, desta forma, descarta as que não são úteis e fortalece as que são úteis para aprender rapidamente como manter a gestação.

O cérebro reorganiza as conexões

Para perceber melhor como tudo isto funciona, queria só fazer um apontamento acerca da chamada plasticidade cerebral: este conceito refere-se à capacidade para o cérebro mudar estruturalmente e funcionalmente, quando necessário para se adaptar às circunstâncias. E a verdade é que a investigação tem demonstrado que as hormonas produzidas durante a gravidez e enquanto interagimos com os nossos bebés podem levar a algumas mudanças estruturas e funcionais no nosso cérebro.

Num estudo recente publicado na revista Psiconeuroendocrinologia, em 2020, revela algo interessante: existe uma redução no volume do estriado ventral durante a gravidez. Estando esta área associada com os processos de recompensa e motivação, quererá isto dizer que as mães terão uma diminuição neste processos autocentrados, o que permitirá aumentar a sua capacidade de resposta em relação aos bebés.

As hormonas têm uma palavra a dizer

Alguma investigação mostra-nos que as mudanças hormonais afetam o nosso funcionamento cognitivo. Assim, parece que as flutuações, durante a gravidez, nos níveis de progesterona e estrogénio, poderão afetar a memória e atenção. Por exemplo, o hipocampo – uma parte do cérebro relacionada com a memória – é muito sensível a mudanças nestas hormonas reprodutivas.

Outras explicações para o cérebro de grávida

Muitas mulheres queixam-se de esquecimentos recorrentes que parecem significar uma perda da capacidade de memória. Na verdade, os estudos nesta área não corroboram a perda de memória objetivo. No entanto, o que parece acontecer é que a própria carga mental da parentalidade, associada ao impacto da existência de várias tarefas imediatas e intermináveis, leva ao aumento da distratibilidade que estará na base destes esquecimentos diários.

A verdade é que a gravidez acarreta uma série de mudanças funcionais, para além das hormonais. Começando pelo sono, que muitas vezes é entrecortado com idas à casa de banho 5 vezes por noite ou com dores ou dificuldade em arranjar uma posição confortável. Além do mais, a fadiga e lentificação de movimentos também acarreta, necessariamente, um abrandamento da agilidade cognitiva. Depois, nesta fase, são muitas as preocupações com a gravidez e com aquela que será uma nova vida após o nascimento do filho. Assim, o stress e a ansiedade poderão ter um impacto direto na memória, atenção ou capacidade de resolução de problemas.

Quando estamos grávidas precisamos de um cérebro de grávida

Não obstante os desafios anteriormente descritos, a maior explicação para o “cérebro de grávida” é que as mães passam a canalizar a sua atenção para a gestação e para o seu bebé e, por isso, retiram-na de outras coisas. Sendo assim, parece-me que o cérebro de grávida não só é adaptativo como legítimo. Talvez o melhor seja compreendê-lo, aceitá-lo e, em alguns momentos, rir dele.

Mas o que vai... volta

A boa notícia é que estas dificuldades, confusões e esquecimentos são temporários e após a gravidez - e após ultrapassado o período difícil da privação do sono – se recuperam e as mães retomam o seu funcionamento cognitivo, ao lado de uma das coisas que mais estimula a nossa capacidade cognitiva: o amor de um filho!