A entrada na escola é muito mais do que colocar a mochila às costas ou preparar as listas de material. Constitui uma experiência significativa na vida da criança, pautada por mudanças e desafios ao nível afetivo, social e cognitivo.
A adaptação escolar não é só reorganizar rotinas depois das férias grandes…envolve a construção de vínculos, a aprendizagem e assimilação de novas rotinas e, por vezes, a reorganização da dinâmica familiar. A adaptação escolar, que pode ser mais desafiante e evidente nas mudanças de ciclo, está presente em cada ano letivo. Constitui-se como um período de transição, que pode ser sinónimo de oportunidades de desenvolvimento, por um lado, e de situações de insegurança e ansiedade, por outro, porque cada ano é novo. E, por vezes, temos medo do que (ainda) não conhecemos.
A adaptação escolar pode ser compreendida como uma etapa de transição ecológica (Bronfenbrenner, 1996), na qual a criança interage com um novo microssistema - o ambiente escolar -, que, idealmente, dialoga e interage com outros microssistemas, como por exemplo a família. Entendem-se por microssistemas os contextos nos quais as crianças passam mais tempo e onde tendem a desenvolver relações significativas.
Neste sentido, é importante que estes contextos promovam na criança sentimentos de segurança. Winnicott (1990), pediatra e psicanalista, especialista na infância e desenvolvimento infantil, falava sobre “ambientes suficientemente bons”. A escola desempenha aqui um papel fundamental, na medida em que pode constituir-se como um espaço de acolhimento e amparo dos processos de adaptação da criança, sendo colo para as suas angústias iniciais, que fazem parte ( e potenciam) de um processo normativo de desenvolvimento.
Mas afinal quais são os principais desafios trazidos pela adaptação escolar?
A adaptação escolar é um processo multidimensional, que não tem que ver apenas com a escola, mas também com as características individuais da criança e da família. Entre os mais habituais podemos falar de:
- Separação da figura de vinculação primária: pode causar na criança manifestações de angústia de separação, como, por exemplo, choro. Sobretudo na primeira infância o choro é a forma de a criança expressar tristeza pela separação, ainda que temporária.
- Mobilização de novas competências sociais: a criança passa a lidar com regras, momentos de espera pela sua vez e partilha de recursos, competências que, sobretudo na primeira infância, ainda estão a desenvolver-se.
- Mobilização de competências de autonomia: rotinas que fazem parte do dia a dia, como comer ou organizar e arrumar materiais, exigem níveis crescentes de autonomia que, muitas vezes, a criança vai experienciar na escola, em relação.
A boa notícia é que a criança não tem (idealmente não deve) adaptar-se sozinha. Fazem parte da adaptação da criança mais dois vértices fundamentais – família e escola – sendo que, quanto maior for a harmonia e comunicação entre os dois contextos, maior a probabilidade de uma adaptação bem sucedida (ainda que possa não acontecer nos primeiros dias).
A evidência tem-nos mostrado que o envolvimento da família é fundamental para uma boa adaptação escolar. A existência de um ambiente familiar que valorize a escola, que tenha rotinas consistentes, que estruturem e organizem a criança, que lhe permitam previsibilidade e, consequentemente segurança, e que seja suporte emocional para as emoções expressões da criança, favorece a internalização positiva da experiência escolar por parte da criança, ou seja, potencia e promove competências necessárias para que a criança se adapte. Para lá das portas de casa, uma comunicação clara, construtora de pontes entre a família e a escola, os educadores e professores, assume-se como um fator de proteção neste processo.
Também a escola desempenha um papel fundamental no sucesso da adaptação da criança, na medida em que pode funcionar como ponte para a transição casa-escola, através da promoção de estratégias que permitam minimizar a angústia e tensão que esta transição pode implicar. Práticas como períodos de adaptação gradual, em que os cuidadores possam estar presentes, sobretudo na primeira infância, acolhimento das emoções da criança, demonstração de afeto e proximidade são exemplos de ações que se têm mostrado eficazes. Além disso, escutar as famílias, formação de professores, assistentes operacionais e outros agentes educativos em temas como desenvolvimento infantil (cognitivo, social e emocional) parecem contribuir para a construção de um ambiente mais seguro para a criança.
A adaptação escolar não é, portanto, um processo com princípio, meio e fim, com data de início e de final. É antes um processo dinâmico, individual e fortemente influenciado pelos contextos. Compreende a interação de múltiplos fatores: individuais, familiares e institucionais (escola, ATL). A parceria entre a família e escola e promoção de práticas pedagógicas intencionalmente acolhedoras e afetivas são fundamentais para que a criança possa desenvolver confiança, segurança, autonomia e vínculos significativos, que lhe irão permitir construir as bases para um percurso escolar saudável e feliz.