A doença de Parkinson é atualmente, a segunda doença neurodegenerativa mais comum, afetando aproximadamente 1% da população mundial com mais de 65 anos de idade, sendo apenas ultrapassada pela doença de Alzheimer.

Conhecida maioritariamente pela sua sintomatologia motora, esta facilmente se identifica como uma doença do movimento pela presença de Parkinsonismo, ou seja, bradicinesia, rigidez, tremor de repouso, instabilidade postural e outros. Contudo, e apesar dos sintomas motores se apresentarem como os principais e mais incapacitantes sintomas associados a esta doença, existem também sintomas não motores que resultam num impacto relevante nas atividades da vida diária e na autonomia pessoal do indivíduo.

Mas, isso quer dizer que existem também alterações, por exemplo, a nível cognitivo?

Sim! Na verdade, o comprometimento cognitivo é considerado um dos mais debilitantes sintomas não motores da Doença de Parkinson. É bastante frequente e variável, não só em termos da sua gravidade, mas também em relação aos próprios domínios cognitivos afetados, sendo que, infelizmente, múltiplos estudos indicam que a maioria dos indivíduos com doença de Parkinson irão desenvolver quadros demenciais. O perfil mais comum das alterações cognitivas inclui, frequentemente, disfunção executiva, alterações da atenção e das capacidades visuoespaciais, assim como um comprometimento discreto da memória episódica.

E qual a causa destes défices?

Atualmente, sabemos que esta deterioração cognitiva está relacionada com a redução da dopamina no estriado (uma das áreas cerebrais mais afetadas nesta doença) que, por sua vez, compromete a função dos circuitos neuronais que interligam as diferentes estruturas subcorticais com o córtex pré-frontal. Esta diminuição de dopamina no estriado surge como consequência da degenerescência de neurónios dopaminérgicos (grupo de neurónios que sintetiza e produz o neurotransmissor - dopamina), que é um dos elementos chave no aparecimento e progressão desta doença.

Felizmente, cada vez mais se têm vindo a desenvolver terapêuticas (farmacológicas e não farmacológicas), que têm como objetivo diminuir a sintomatologia nesta patologia (visto que, pelo menos para já, não existem tratamentos que estagnem a progressão da mesma).

Uma destas terapêuticas é a chamada Estimulação Cerebral Profunda (ECP) ou, em inglês, Deep Brain Stimulation (DBS). Esta é considerada uma abordagem cirúrgica funcional de comprovada eficácia, que é utilizada como forma de fazer face às complicações motoras decorrentes da progressão da doença, como os tremores resistentes à medicação.

E como é que funciona a Estimulação Cerebral Profunda?

Muito basicamente, esta cirurgia permite a implantação de elétrodos em determinadas zonas do cérebro, habitualmente o núcleo subtalâmico e o globo pálido interno - pertencentes aos núcleos basais (i.e., núcleos subcorticais), com o objetivo de aplicar estímulos elétricos nestes alvos cerebrais. Assim, verifica-se, numa grande maioria dos casos, uma melhoria bastante significativa dos sintomas motores como diminuição do tremor, melhoria da marcha e outros.

Mas será que existe alguma relação entre a Estimulação Cerebral Profunda e a Cognição?

Apesar de apresentar resultados bastante satisfatórios no que diz respeito à sintomatologia motora, o seu efeito a nível cognitivo é ainda pouco compreendido, sendo que alguns autores referem um agravamento do declínio cognitivo e outros não. É ainda, por isso, um assunto controverso.

Para já, as informações mais consensuais de que dispomos revelam que a fluência verbal é um dos domínios mais vulneráveis à ECP, particularmente na sua vertente fonémica (i.e., evocação de palavras com base em critérios fonémicos - letra). Este é um aspeto dependente das funções executivas que, por sua vez, dependem de uma boa função do lobo frontal. Ainda não se sabe a 100% porque é que estas alterações podem surgir após a cirurgia, contudo alguns estudos justificam-nas pela possível ocorrência de microlesões em regiões cerebrais do hemisfério esquerdo, aquando da implantação dos elétrodos.

Deste modo, em situações em que existem desde logo alterações muito relevantes da cognição (em particular da capacidade mnésica) é necessário, normalmente, um estudo prudente do caso para melhor avaliar o risco-benefício da cirurgia.

Assim, as evidências científicas indicam que, de facto, é ainda difícil de prever as eventuais sequelas de cariz cognitivo que podem surgir após esta cirurgia, o que leva a que seja imprescindível um mecanismo bem estruturado para a seleção de candidatos que sejam indicados para este tipo de intervenção e para o qual a avaliação neuropsicológica é imprescindível. Desta forma, o indivíduo deve ser sujeito a avaliação neuropsicológica antes do procedimento e depois periodicamente, com o objetivo de monitorizar o seu estado cognitivo e emocional. Para além disso, é de ressalvar que, para além desta monitorização do estado mental, é da maior importância que a pessoa mantenha um estilo de vida o mais ativo quanto possível - fisicamente e cognitivamente - pelo que a sua função mental e cognitiva deve ser também estimulada diariamente, de forma a atrasar a eventual progressão dos défices que estão associados a esta doença.

Em suma, sabemos que efetivamente a relação entre o declínio cognitivo e a estimulação cerebral profunda é ainda um tema contestável. No entanto, os resultados obtidos a nível motor após esta intervenção cirúrgica, melhoram, de forma muito significativa, as condições e a qualidade de vida e diminuem o impacto da doença de Parkinson nas mais variadas dimensões de vida das pessoas que sofrem desta.