Não são novidade os contornos da situação atual, em que todos os dias somos confrontados com a evolução da pandemia, em Portugal e no Mundo. Situações destas, criam não só desordem no “mundo externo”, como também criam a necessidade de lidarmos com aspetos que não gostamos tanto do nosso “mundo interno”. Como é evidente, somos e continuaremos a ser afetados em vários domínios - profissional, social, económico e pessoal. Sendo a ansiedade uma resposta a uma situação adversa em que percecionamos uma ameaça, é natural que surjam emoções e pensamentos desagradáveis. É importante normalizarmos estas respostas, que podem traduzir-se não só em medo, como também em tristeza, frustração, raiva. São todas reações válidas e humanas.
No entanto, recear sentir ansiedade, e todas as sensações desagradáveis que despoleta, é um dos fatores que mais contribui para o seu aumento. Assim como, paradoxalmente, tentar controlar ou diminuir essa ansiedade. Não a querer sentir, por ser dolorosa, pode ser um dos motivos pelos quais se está a tornar tão impactante.
Assim, ao invés de tentarmos controlar o medo, podemos tentar tirar partido dele ao torná-lo nosso aliado. De uma forma simplificada, tentarei explicar algumas atitudes pouco intuitivas (se considerarmos os típicos impulsos da mente humana) que podemos tentar implementar no nosso dia a dia, de forma a desenvolvermos uma relação diferente com as nossas emoções.
Consciencialização dos pensamentos e emoções
Muitas vezes desenvolvemos uma ligação com a ansiedade e com as nossas emoções que não nos é útil. A ruminação - pensarmos de forma repetida acerca das nossas preocupações - apenas contribui para que fiquemos “enredados” nas histórias criadas pela nossa mente, alimentando um padrão pouco saudável da perspetiva da saúde mental.
Os pensamentos não são factos, são construções da nossa mente, e por isso, não traduzem a realidade. Na verdade, não temos grande controlo sobre eles, nem sobre as nossas emoções. Como é habitual da nossa natureza tentar controlar diversas situações da nossa vida, ou pelo menos, ter a ilusão de que as controlamos, é natural que queiramos também exercer um esforço para deixar de sentir algo que às vezes dói tanto sentir. O nosso primeiro impulso é fugir, evitar, suprimir ou tentar encontrar formas de nos distrairmos da dor.
Uma das primeiras atitudes que podemos implementar relativamente aos pensamentos e emoções, é simplesmente identificá-los ou aumentar a nossa consciência acerca deles. Que pensamentos normalmente estão presentes quando estamos ansiosos, com medo? Que sensações costumam acompanhar a ansiedade? O coração a bater rápido, o aperto no peito, o nó na garganta? Simplesmente notarmos a forma como a ansiedade se manifesta em nós, ao invés de tentarmos controlar qualquer uma destas manifestações, se for praticado, pode ser um exercício muito produtivo.
Observar com curiosidade, ao contrário de reagir. Trocar o impulso habitual por uma ação mais consciente, criando um distanciamento entre nós, e aquilo que sentimos/pensamos. É importante lembrar que não estamos a fazer isto para diminuir as sensações desagradáveis. Pode ajudar pensar algo como “Eu não procuro sentir algo diferente do que estou a sentir neste momento”. E é também importante lembrar que as nossas experiências emocionais têm todas um caráter transitório - a dor vai passar - e por isso podemos olhar para ela de uma outra perspetiva enquanto cá está.
Atenção Plena - Trazer a nossa atenção para o presente
Depois de fazermos uma observação desta vivência interna e de termos identificado pensamentos e emoções, podemos gradualmente trazer a nossa atenção para o momento presente. Esta indicação não tem de ser tão abstrata quanto parece. Para nos conseguirmos conectar com o agora, precisamos de arranjar uma âncora a que possamos sempre recorrer em momentos mais difíceis. Concretamente, essa âncora pode ser a respiração, as sensações corporais, ou os sons que conseguimos percecionar no local onde nos encontramos. A respiração, âncora mais comumente utilizada, está sempre disponível, independentemente do contexto em que nos encontramos. Podemos simplesmente observá-la (contar as respirações, observar o movimento do diafragma à medida que inspiramos e expiramos, observar o seu ritmo), ou podemos até lentificá-la um pouco, e torná-la mais profunda (demorando mais tempo em cada inspiração, e prolongando ainda mais a expiração). São também várias as sensações corporais a que podemos prestar atenção - os pés a tocar no chão, as costas encostadas à cadeira, por exemplo. Vão com certeza notar a tendência da vossa mente para voltar a enredar-se em pensamentos e preocupações, ou simplesmente ficar impaciente. Sair do piloto automático não é fácil, visto que estamos habituados aos nossos padrões habituais de funcionamento. É natural, e não nos devemos julgar por isso. Antes, podemos ver esta tendência da mente para se distrair, como uma oportunidade para voltarmos a trazê-la ao momento presente (voltando o foco para a respiração novamente por exemplo).
Comportamentos com significado
Ao observar a nossa experiência interna, trazendo depois a mente para o momento presente, criamos um espaço entre o que sentimos e os nossos comportamentos. Este espaço permite-nos ganhar algum controlo sobre as nossas ações. Assim, podemos aproveitar para nos envolvermos em atividades que fazem sentido para nós, ou simplesmente voltar a fazer o que estávamos a fazer antes do surgimento das preocupações.
Como forma de nos protegermos do desconforto, podemos por vezes ter tendência a envolver-nos em comportamentos de procrastinação ou de distração das emoções (ver incessantemente o feed de uma rede social, por exemplo). Se for um padrão típico em nós, devemos lembrar-nos que estes comportamentos podem levar a um alívio momentâneo do desconforto, mas acabam por alimentar, a longo prazo, a ansiedade e a frustração.
Assim, é importante termos em conta dois aspetos: não precisamos de fugir às emoções que nos geram desconforto, e podemos procurar envolver-nos em comportamentos que se vão revelar vantajosos para nós a longo prazo. Estes comportamentos devem ser guiados por valores que consideramos relevantes para a nossa vida, em vez de serem guiados pelo medo e pela ansiedade. Se alguns desses valores são, por exemplo, o amor e o cuidado para com os outros, certamente fará todo o sentido o envolvimento consciente em atividades que procuram promover esses valores. Se for o caso, porque não oferecermo-nos para ouvir um amigo que está preocupado? Ou conversar com alguém que precise? Ou procurarmos conforto em alguém que nos transmita segurança? Ajudar um familiar numa das tarefas domésticas do dia-a-dia. Dar simplesmente a mão a alguém como gesto de apoio. Ouvir a mãe a queixar-se que não percebe nada de tecnologia, e tentar ajudar. Jogar um jogo com as crianças de casa. Programar um filme em família. Ligar a quem está mais longe e fazer jantares em videochamada. Oferecer para fazer as compras a um vizinho que esteja sozinho ou mais vulnerável. Os valores e as ações que por eles são guiadas são variáveis, não havendo propriamente um certo ou errado nas prioridades que definimos. Podemos sempre perguntar-nos “O que é que posso fazer neste momento (por muito pequeno que seja) que possa melhorar a minha vida ou a de alguém próximo de mim?” As possibilidades são muitas e, embora óbvias, podem, por vezes, ser colocadas em segundo plano em detrimento de outros padrões de comportamentos mais reativos.
Com este texto pretendo apenas sugerir algumas estratégias que podem ajudar na regulação emocional. Em casos de ansiedade disfuncional - medo excessivo e condicionante em vários contextos de vida - ou de sintomatologia depressiva, recorrer a um profissional de saúde especializado é essencial.
“Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo, e gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.” | “Há bastante beleza em estar aqui e não noutra parte qualquer.” Alberto Caeiro, também ele defensor de uma vida serena, focada no presente (numa tentativa de eliminar a dor de pensar que tanto afetava Fernando Pessoa).
Esta observação de pensamentos e emoções, juntamente com a prática da atenção ao momento presente, são posturas que podem ser feitas em 2/3 minutos, várias vezes ao dia. Compreender esta ligação existente entre pensamentos, emoções e comportamentos, permite-nos realizar escolhas mais conscientes, contrastantes com os típicos padrões de resposta automáticos.
Este modo diferente de estar pode ser associado, de forma metafórica, ao observar das ondas do mar ou ao mantermo-nos à tona a boiar enquanto nos deixamos ir no movimento das ondas (sobre os quais não temos qualquer controlo). As ondas do mar podem ser percecionadas como pensamentos, vão e vêm. Nós podemos escolher se lutamos contra elas - e eventualmente acabamos “afogados” na corrente - ou se observamos a agitação, apreciando a sua existência. As emoções são transitórias, assim como a dor por elas produzida. Aceitar esta impermanência da mente é estarmos confortáveis com a vulnerabilidade de sermos seres humanos.