A violência, em qualquer das suas formas, desperta uma reação emocional intensa na sociedade. Isso demonstra-nos que as vítimas merecem todo o apoio, justiça e compreensão, sem dúvida. No entanto, é igualmente essencial olhar para quem comete os atos violentos. Não para justificar o que fizeram, mas para compreender as razões subjacentes. Porque, sem compreender, não podemos prevenir. E sem prevenção, o ciclo de violência será perpetuado.
A falsa dicotomia: bom vs mau
Muitas vezes, vemos as vítimas e os agressores como figuras antagónicas, separadas por uma linha bem definida: as vítimas são as “boas” e os agressores são os “maus”. Esta visão é emocionalmente confortável, mas excessivamente simplista. Embora seja natural querer separar o bem do mal — porque nos oferece uma forma de ordenamento moral para nos orientarmos no mundo e lidarmos com situações difíceis — a realidade humana é bem mais complexa. A separação dicotómica não é sempre útil, pois reduz as complexas experiências humanas a categorias rígidas. A violência, por exemplo, não surge de um lugar vazio, mas de um conjunto complexo de fatores que, muitas vezes, passam despercebidos. Não é suficiente condenar o ato isoladamente; é preciso entender o que levou uma pessoa a agir dessa forma. Este processo de compreensão não significa, em nenhum momento, justificar ou minimizar o sofrimento causado pela violência, mas sim reconhecer que os agressores e as agressoras, como todos nós, têm histórias, contextos e experiências que moldam as suas ações.
Compreender um agressor é olhar para a sua história, para o seu contexto, para as suas experiências. Muitas vezes, as pessoas que cometem atos violentos têm passados marcados por traumas, abuso, negligência ou uma falta de modelos saudáveis de convivência. Essas experiências criam padrões de comportamento disfuncionais e formas ineficazes de lidar com as emoções. Ignorar esses fatores e reduzir a questão a uma simples condenação acaba por não atacar as raízes do problema e perpetua o ciclo de violência.
A desumanização do agressor e a verdadeira justiça
Por vezes, ao olharmos para um agressor, é fácil esquecer que ele, como qualquer outro ser humano, também possui uma história, uma trajetória e uma humanidade. O problema do estigma é que ele desumaniza o agressor, fazendo com que seja visto como alguém incapaz de mudar. Porém, todos somos moldados pelas nossas experiências e, embora isso não justifique os atos violentos, compreendê-los pode ser o caminho para a transformação.
A sociedade tende a ver a punição como um fim em si mesmo, mas punir sem oferecer possibilidade de mudança não resolve o problema da violência — apenas o posterga. Se apenas afastamos os ofensores do convívio social — ao colocá-los num estabelecimento prisional ou prisão domiciliária, por exemplo, sem lhes dar ferramentas para alterarem os seus padrões de comportamento, estamos a garantir que, mais cedo ou mais tarde, a violência voltará a acontecer. Isso não protege as vítimas futuras, apenas nos dá a ilusão de segurança temporária.
Trabalhar com agressores: um compromisso com a prevenção da violência
Intervir com os agressores não significa ignorar ou relativizar o sofrimento das vítimas — pelo contrário, é um compromisso real com a interrupção do ciclo da violência. Significa garantir que menos pessoas venham a sofrer no futuro. Não podemos mudar o que já aconteceu, mas podemos moldar um futuro onde a justiça não seja apenas punitiva, mas também restaurativa e preventiva.
Ao entendermos isso, podemos desafiar a visão simplista que os vê como “maus” ou “monstros” e reconhecer que são seres humanos com capacidade para refletir, aprender e evoluir. A verdadeira mudança começa com a crença na capacidade de evolução dos seres humanos. Não se trata de desculpabilizar, mas de oferecer as ferramentas necessárias para que esses indivíduos possam fazer escolhas mais saudáveis e menos destrutivas.
A prevenção: investir na mudança
Investir na reabilitação de ofensores é investir na prevenção. Significa quebrar ciclos intergeracionais de violência, reduzir o número de reincidências e criar possibilidades reais de mudança. Para além disso, é fundamental que a prevenção comece muito antes de a violência se manifestar. Educar crianças e adolescentes sobre resolução de conflitos, empatia e relações saudáveis pode ser uma das formas mais eficazes de reduzir o número de agressores no futuro. Dar espaço para que crianças e adolescentes expressem emoções sem medo de julgamento, ensiná-los a lidar com a frustração e promover um modelo de masculinidade mais flexível são aspetos fundamentais nesta caminhada. Já imaginaram como seria diferente se, em vez de ensinarmos os rapazes a “não chorarem”, lhes ensinássemos a expressar os seus sentimentos de forma saudável? Por exemplo, encorajando-os a identificar e verbalizar as suas emoções desde cedo, validando os seus sentimentos e ensinando estratégias para lidar com a frustração sem recorrer à agressividade? Pequenos gestos como perguntar “O que estás a sentir?” ou validar emoções com “É normal sentires-te assim” podem fazer toda a diferença na construção de uma relação mais equilibrada com as próprias emoções (e relações sociais também). Por isso, e se, em vez de reforçarmos que “quem cede é fraco”, ensinássemos que a comunicação e a empatia são sinais de força? Pequenas mudanças podem ter um impacto profundo na forma como futuras gerações lidam com os seus conflitos.
Um convite à reflexão
Não se trata de desculpabilizar, mas de responsabilizar com propósito. Se queremos um mundo com menos violência, precisamos de olhar para além do ato e trabalhar com quem a pratica. Porque compreender não é concordar. Compreender é o primeiro passo para a mudança.
Imaginemos: e se, em vez de rotularmos o agressor como “monstro”, o víssemos como alguém com potencial para se transformar? O que aconteceria se investíssemos na mudança do seu comportamento? Cada agressor que muda, está a prevenir futuras vítimas. A verdadeira justiça vai além da punição. Ela começa com a compreensão e a intervenção. Porque, sem isso, o ciclo de violência continuará.