Trabalhos de casa, sim ou não?
Os trabalhos de casa continuam a ser um dos temas mais debatidos quando falamos de escola e educação. Para algumas pessoas, são uma prática indispensável, que ajuda a consolidar aprendizagens, cria hábitos de estudo e promove a autonomia. Para outras, são fonte de stress, consomem demasiado tempo e acabam por gerar frustração nas crianças e nas famílias.
A verdade é que não existe uma resposta única ou universal. Mais importante do que decidir se os trabalhos de casa “fazem bem ou mal”, é compreender como cada criança vive essa experiência e de que forma os pais podem transformar esse momento numa oportunidade de aprendizagem, em vez de um campo de batalha.
Porque resistem as crianças aos trabalhos de casa?
Nem todas as crianças encaram os TPC (trabalhos para casa) da mesma forma. Para algumas, são uma oportunidade de rever matérias e sentem-se até orgulhosas quando conseguem terminar sozinhas os exercícios propostos. Outras, porém, vêem-nos como uma obrigação ou castigo, que lhes rouba o tempo livre depois de um dia já longo na escola.
Há vários fatores que podem estar na base desta resistência:
- Cansaço após o dia escolar: as crianças passam, em média, 6 a 7 horas na escola, muitas vezes em ambiente de grande exigência. Ao chegar a casa, o corpo e a mente pedem descanso, não mais tarefas.
- Excesso de trabalhos de casa: quando a quantidade é elevada, os TPC deixam de ter efeito pedagógico e passam a ser vividos como um fardo. A investigação mostra que quantidades moderadas e ajustadas à idade são mais eficazes do que longas listas de exercícios.
- Presença de diagnósticos (e.g., Perturbação de Aprendizagem Específica ou Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção): nestes casos, os TPC podem tornar-se ainda mais desafiantes, pela dificuldade em manter a concentração, pelo elevado esforço em compreender os enunciados e, consequentemente, um sentimento de frustração por não conseguir terminar. A criança pode associar o momento dos TPC ao insucesso, evitando-o ao máximo.
- Relação negativa com a escola: se a criança já se sente mal na escola – seja por dificuldades académicas, conflitos com colegas ou desmotivação em relação aos professores – é natural que transporte essa resistência para casa. Fazer os TPC pode ser sentido como prolongar algo que já é vivido como negativo.
- Diferenças individuais: cada criança aprende de forma diferente. Algumas beneficiam de exercícios mais estruturados e repetitivos, outras assimilam melhor quando participam em atividades mais lúdicas e/ou exploratórias. Reconhecer estas diferenças ajuda os pais a compreender que não existe uma receita única e que o que resulta com uma criança pode não ter o mesmo efeito noutra.
O que nos diz a evidência científica sobre isto?
Estudos internacionais mostram que o impacto dos TPC na aprendizagem não é linear. Em crianças do 1.º ciclo, os benefícios parecem ser mais reduzidos, enquanto nos níveis mais avançados de escolaridade existe maior evidência de que podem ajudar a consolidar conhecimentos.
Contudo, a ciência também alerta para os riscos do excesso. Um estudo publicado no Journal of Experimental Education revelou que crianças que passam muito tempo a realizar os trabalhos de casa apresentam níveis mais elevados de stresse, problemas de sono e menos disponibilidade para atividades de lazer, como brincar com outras crianças, praticar exercício físico ou simplesmente descansar.
Outro aspeto frequentemente referido é o impacto na relação pais-filhos, uma vez que nem todas as famílias dispõem de meios ou se sentem capacitadas para prestar apoio. Quando os TPC se tornam motivo de conflito diário, aumenta a tensão em casa e diminui a motivação da criança. No entanto, quando os pais conseguem assumir um papel de apoio colaborativo em vez de vigilância ou pressão, os resultados tendem a ser mais positivos.
Ou seja, não é tanto o “sim ou não” aos TPC, mas como são feitos e vividos em família!
Enquanto mãe/pai, o que não deveria fazer…
Mesmo com a melhor das intenções, há comportamentos que acabam por dificultar a relação da criança com os TPC. Eis alguns exemplos:
- Evitar pressões ou castigos constantes: a criança não aprende melhor sob ameaça.
- Não transformar os trabalhos de casa num campo de batalha diário: se todos os dias há lágrimas e discussões, o objetivo perde-se.
- Evitar rótulos: frases como “És tão preguiçoso…” ou “Nunca te esforças!” criam feridas na autoestima e não motivam para a mudança.
Enquanto mãe/pai, há estratégias que pode e deve aplicar…
O papel dos pais não é eliminar todas as dificuldades dos filhos, mas ajudá-los a criar ferramentas para lidar com elas. Algumas das estratégias podem fazer a diferença:
- Criar uma rotina previsível: definir sempre o mesmo horário e um espaço tranquilo, sem ecrãs ou distrações.
- Dividir a tarefa em partes: sessões curtas com pausas (e.g., lanchar ou movimentar o corpo) ajudam a manter a concentração.
- Dar algum controlo à criança: permitir que escolha a ordem dos exercícios ou a forma de começar aumenta a motivação.
- Nomear e validar emoções: valorizar o esforço e clarificar o que sente (e.g., “Percebo que te sintas irritado com tantos exercícios para fazer” ou “Entendo que estejas cansado e não queiras fazer os trabalhos… acordaste cedo e tiveste um dia preenchido”) ajuda a criança a sentir-se compreendida.
- Praticar parentalidade colaborativa: estar presente como apoio, não como polícia.
- Recompensas e desafios: usar temporizadores ou pequenas recompensas pode tornar o momento mais leve.
- Articular com professores e psicólogos: quando a resistência é persistente, pode indicar que é preciso ajustar expetativas ou receber apoio especializado.
E se os trabalhos forem claramente excessivos ou pouco adequados à idade ou necessidades da criança?
Nesse caso, os pais podem e devem conversar com os professores de forma construtiva. Explicar como a criança reage, partilhar as dificuldades e sugerir ajustes pode ajudar a encontrar soluções equilibradas, sem pôr em causa o percurso escolar.
Em jeito de reflexão…
Enquanto psicóloga, escuto algumas vezes pais exaustos com o momento dos TPC. A verdade é que, não há soluções mágicas, mas acredito que transformar esta rotina depende sobretudo da forma como olhamos para ela. Quando deixamos de ver os trabalhos de casa como uma “guerra” e passamos a encará-los como um espaço de aprendizagem conjunta, tudo se torna mais leve.
Queremos que ela saiba que não somos oponentes, mas sim que estamos na mesma equipa! A partir daqui podemos ajudá-la a encontrar formas de lidar com as suas responsabilidades.
Não se trata de eliminar os TPC ou de assumir todo o peso dela, mas sim de encontrar um equilíbrio que respeite as suas necessidades: tempo para aprender, sim, mas também tempo para brincar, descansar e ser simplesmente criança.
É natural que haja dias mais difíceis, mas isso não significa que o seu filho não vá desenvolver hábitos de estudo. A consistência, a empatia e a colaboração entre escola e família são os melhores aliados para transformar os trabalhos de casa numa oportunidade de crescimento - sem guerras.

