Evitamento refere-se a tudo aquilo que fazemos para não sentir o que é desagradável. Desde tentar não pensar em alguma coisa que nos faça sofrer, tentar aliviar o desconforto físico de uma emoção ou deixar de ir a um local que desperta desconforto. Por vezes, pode ser subtil e nem nos damos conta que estamos a evitar, outras vezes pode ser bastante explícito e condicionante.

Embora possa ter alguma utilidade momentânea, trazendo alívio, muitas vezes torna-se prejudicial a longo prazo — aumenta, paradoxalmente, a intensidade e a frequência das emoções que não queríamos sentir.

Alguns exemplos de evitamentos que acabam por ser transversais a várias perturbações de ansiedade:


- evitar zonas com muitas pessoas com receio de nos sentirmos mal e ser difícil sair;
- deixar de ir a eventos sociais com receio do nosso desempenho social ser julgado;
- ficar na cama/em casa de forma a evitar enfrentar um dia que se avizinha difícil;
- não usar transportes públicos ou elevadores com receio de ficarmos fechados;
- não fazer exercício físico com receio de nos ativarmos fisiologicamente (medo de sensações físicas como taquicardia ou tonturas);
- ligar repetidamente a uma pessoa para saber se ela está bem como forma de diminuir a nossa preocupação;
- não beber café (mais uma vez, com receio da ativação fisiológica);
- recorrer a substâncias como forma de aliviar um estado emocional desagradável;
- evitar olhar nos olhos de outra pessoa de forma a não ativar vergonha;

Outras formas de evitamento, por vezes menos explícitas, mas igualmente frequentes, são:


- procrastinação, evitando, nem que por momentos, enfrentar uma tarefa de trabalho difícil ou para a qual sentimos não ter plena capacidade;
- comportamentos perfecionistas (por exemplo, lendo várias vezes o que escrevemos), numa tentativa de fugir da possibilidade de falha;
- pedir constantemente validação como forma de diminuir a ansiedade de termos de assumir uma decisão sozinhos;
- ruminar, procurando uma sensação de segurança, de que estamos a “pensar” e a “resolver” um problema;
- ouvir musica ou usar o telemóvel como distração de pensamentos difíceis;
- trazer água/comida ou medicação SOS como segurança no caso de “nos sentirmos mal”;
(…)

De facto, estes comportamentos de fuga podem assumir várias formas. No entanto, um mesmo comportamento pode ser adaptativo numa situação e desadaptativo noutra, dependendo muito do propósito que está a assumir para a pessoa. O que realmente importa é a função (o porquê do comportamento) e não propriamente a forma (o comportamento em si).

Por exemplo, não fazer exercício por recear a ativação fisiológica que daí advirá (e.g., taquicardia, tonturas, …) é uma forma de evitamento. No entanto, fazer exercício com o objetivo de me distrair de um sentimento de frustração que surgiu relacionado com o trabalho ou com uma relação, também é uma forma de evitamento.

Porque é que estes comportamentos acabam por ser prejudiciais a longo prazo?

Olhando pelos olhos da abordagem cognitivo-comportamental, o que faz um comportamento ocorrer mais vezes, é associá-lo a um reforço. Um exemplo óbvio: se eu colocar uma fotografia numa rede social e tiver interações (gostos, comentários), essas interações vão funcionar como um reforço positivo. No futuro, a probabilidade de eu sentir vontade de colocar novas fotografias vai aumentar. Publicar uma fotografia fez-me sentir bem devido à validação social.

Mas também existe outra forma dos comportamentos serem reforçados. Se ao publicar uma fotografia, estou temporariamente a distrair-me da tristeza que sinto, então isso também me faz sentir “bem”. Desta vez porque “retirou” ou apaziguou algum tipo de desconforto. O comportamento foi reforçado e a probabilidade de eu voltar a publicar uma fotografia também vai aumentar, mas por motivos diferentes. Desta vez, através do reforço negativo — foi-me “retirado” um estímulo aversivo — a tristeza — mesmo que apenas momentaneamente. Sempre que “fugimos” à ansiedade, é este o processo que está a ocorrer. Por momentos, apaziguamos a ansiedade e todo o desconforto que lhe é inerente. Qualquer que seja a ação que provocou esse alívio, vai ser reforçada, e a probabilidade de a voltarmos a fazer vai aumentar.

“Somos marionetas nas mãos da dor e do prazer, ocasionalmente libertados pela nossa criatividade” António Damásio


Assim, vamos ficando cada vez mais dependentes destes comportamentos para lidarmos com a ansiedade, o que vai diminuir as oportunidades de aprendermos a gerir verdadeiramente as nossas emoções. Estes comportamentos vão fortalecer, ainda mais, a ideia de que a ansiedade é perigosa e que não somos capazes de lidar com ela. Tudo isto leva a que, num momento de confronto com a ansiedade, e na impossibilidade de fugirmos, essa emoção estará ainda “maior” e mais assustadora. Estamos assim, num ciclo de perpétua fuga.

No entanto, o objetivo também não é zangarmo-nos com esta condição tão humana, ou eliminar completamente os evitamentos. Eliminá-los repentinamente ou sem ajuda psicoterapêutica, seria muito desestruturante. Estes evitamentos também têm uma função de proteção, de manter estabilidade e segurança. E muitas vezes, são adaptativos! Não só contribuem para a nossa sobrevivência em alguns casos (por exemplo, fugir de uma ameaça real), como também para o nosso autocuidado. Todos nós evitamos em certa medida, e ainda bem! Se sinto dores de cabeça, vou tomar um comprimido para deixar de sentir. Se me sinto frequentemente desgastada num determinado contexto, então vou dosear a quantidade de vezes que estou exposta a esse contexto. É um evitamento, mas também é uma forma de cuidar de mim!

A solução passa, então, por manter um equilíbrio entre o desafio (expormo-nos aos medos) e o autocuidado (procurar conforto).

Seremos sempre motivados pela procura de prazer e pela fuga do desconforto. E por isso existirá sempre uma tendência a apoiarmo-nos em demasia em formas de alívio e controlo. Importa, no entanto, estarmos conscientes que esta procura de “sensações boas” e fuga de “sensações más” no imediato, poderá estar a impossibilitar objetivos mais interessantes a longo prazo. A procrastinação pode ser um bom exemplo. Ao distrairmo-nos frequentemente de tarefas que ativem alguma ansiedade momentânea, podemos estar a pôr em causa um objetivo final importante para nós.

Por isso, um olhar a longo prazo poderá ajudar a perceber se estes evitamentos estão a trazer mais consequências do que benefícios. Se estão a condicionar a nossa vida e se os estamos a usar de forma rígida, em que vamos reagindo aos medos de forma automática, sem termos grande poder de escolha consciente.

Quando há uma relação saudável com os evitamentos, em que escolhemos quando os usar, mas não estamos limitados unicamente a esta forma de responder à ansiedade, então é porque existe flexibilidade! Podemos pensar numa espécie de compromisso que realizamos connosco: estou disponível para sentir algum desconforto enquanto me direciono para objetivos importantes para mim a longo prazo? Estou disposto a sentir ansiedade e frustração enquanto me desenvolvo como pessoa e vou saindo da minha zona de conforto? Ao mesmo tempo, estou disponível para priorizar o meu autocuidado neste processo? Estou disponível para ajustar determinados objetivos que possam ser demasiado exigentes? Estou disponível para me recolher e proteger quando sentir que preciso?

Não é suposto que seja um equilíbrio fácil de fazer. Implica autoconhecimento: conhecermos os nossos padrões de personalidade, as nossas vulnerabilidades, bem como os nossos limites. Exige curiosidade pelas “mensagens” que as nossas emoções e o nosso corpo nos vai dando. E ler estas mensagens nem sempre é fácil! Muito menos é um caminho que se tenha de fazer sozinho. Mas é precisamente esta postura de curiosidade, que nos permite sair dos nossos padrões automáticos habituais e fazer escolhas mais conscientes.

Assim, viver uma vida com flexibilidade, significa direcionarmo-nos para objetivos importantes e alargar a nossa zona de conforto, ao mesmo tempo que prestamos atenção ao autocuidado. Permitirmo-nos procurar conforto quando o mundo se tornar demasiado “assoberbante”. Permitirmo-nos abrandar quando o ritmo está demasiado intenso. Permitirmo-nos largar ou ajustar metas que possam estar a ser demasiado exigentes. Só assim poderemos continuar, de forma saudável e sustentável, a crescer como pessoas.