O que são as Perturbações Alimentares?

De acordo com a American Psychiatric Association (2014), as Perturbações Alimentares são caracterizadas por alterações graves no comportamento alimentar, com efeitos adversos significativos na saúde física e no bem-estar mental. Com um curso frequentemente crónico, estão associadas a um elevado nível de sofrimento, comprometimento funcional significativo e morbidade precoce. Atualmente, representam uma das principais causas de mortalidade dentro do espetro das doenças mentais (APA, 2014; Hudson et al., 2021). Entre as Perturbações do Comportamento Alimentar (PCA) descritas no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5), destacam-se a Anorexia Nervosa, a Bulimia Nervosa e a Perturbação de Ingestão Alimentar Compulsiva como as mais prevalentes (APA, 2014).

Quem pode ser Afetado?

As PCA podem afetar qualquer pessoa, independentemente da idade, origem ou género. Não obstante, são significativamente menos comuns nos homens do que nas mulheres (APA, 2014). Dados de vários países sugerem que cerca de 13% das mulheres experienciam uma perturbação alimentar no início da idade adulta (Allen et al., 2013; Dakanalis et al., 2017; Stice et al., 2013). Em Portugal, um estudo estimou uma prevalência de 3,06% entre adolescentes e mulheres jovens (Machado et al., 2007). Tendo em conta esta disparidade, embora as PCA possam afetar diversos grupos, algumas populações apresentam maior vulnerabilidade. Entre elas, destacam-se as mulheres jovens adultas, que devem ser alvo de especial atenção.

Causas e Fatores de Risco

A causa exata das PCA não é totalmente clara, no entanto, a investigação sugere uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e ambientais. O seu desenvolvimento está, frequentemente, associado a eventos de vida stressantes, como a transição para a universidade, o começo de um novo emprego ou a perda de um ente querido (Foran et al., 2023; APA, 2014). Neste contexto, os comportamentos alimentares disfuncionais podem funcionar como um mecanismo de coping, permitindo ao indivíduo recuperar a sensação de controlo. Adicionalmente, em alguns indivíduos, verifica-se uma elevada sensibilidade a estados emocionais intensos e negativos, bem como dificuldades na sua aceitação e regulação. Como consequência, podem recorrer a comportamentos alimentares disfuncionais, com o objetivo de atenuar ou neutralizar o desconforto emocional. Estes comportamentos, embora ofereçam um alívio temporário do sofrimento, reforçam um ciclo vicioso e prejudicial.

Além disto, destacam-se outros fatores de risco igualmente determinantes, nomeadamente a insatisfação corporal e a internalização de ideais de beleza irreais. Conforme descrito por Stice & Van Ryzin (2019), a pressão para ser magro — seja ela proveniente da família, dos pares ou dos meios de comunicação — aliada à internalização de um ideal de aparência centrado num corpo magro e tonificado, praticamente inatingível, aumenta o risco de insatisfação com a própria imagem. Por sua vez, a insatisfação corporal pode conduzir à restrição alimentar e ao aumento de estados emocionais negativos, como tristeza, ansiedade ou frustração. Quando presentes de forma persistente, estes fatores aumentam significativamente a probabilidade de desenvolvimento de sintomatologia de perturbação alimentar.

As redes sociais e os meios de comunicação desempenham um papel crucial na perpetuação destes fatores de risco, ao promoverem ideais estéticos muitas vezes irreais e inatingíveis. Frequentemente, difundem, incentivam e normalizam a adesão a práticas como rotinas de exercício físico extenuantes, dietas restritivas, consumo de suplementos e estilos de vida inalcançáveis. Num ambiente caracterizado pela procura incessante da perfeição e pela comparação constante, torna-se inevitável sentir pressão para corresponder a esses padrões e apresentar a melhor versão de nós mesmos. Esta pressão pode ser avassaladora, contribuindo para o aumento da vulnerabilidade ao desenvolvimento de uma PCA.

É comum acreditar-se que se pode “ver” uma perturbação alimentar. No entanto, nem todas as PCA se manifestam da mesma forma e, na maioria das vezes, não se associam a baixo peso.

De facto, dado que se tratam de um problema de saúde mental, as alterações comportamentais e emocionais são frequentemente os primeiros indícios — embora muitas vezes mascarados pelo secretismo e vergonha que acompanham estas condições. Alguns sintomas e sinais de alerta podem incluir o isolamento social, alterações extremas de humor, preocupação excessiva com o peso e com a forma corporal, flutuações de peso abruptas, e uma obsessão com a comida, dietas, exercício ou nutrição (APA, 2014).

Caminhos para a Recuperação

Apesar da complexidade e gravidade que caracterizam as perturbações alimentares, a recuperação é possívele a intervenção precoce revela-se determinante (Schaumberg et al., 2017). A investigação tem demonstrado que, quanto mais cedo uma perturbação alimentar for alvo de intervenção, menor será a probabilidade de os comportamentos e pensamentos que a provocam se enraizarem, perspetivando-se uma recuperação bem-sucedida (Treasure et al., 2015). Considerando que as PCA frequentemente coexistem com outras perturbações, como ansiedade, depressão e perturbação obsessivo-compulsiva (Hudson et al., 2021), devem ser trabalhados não só os padrões alimentares disfuncionais, mas também os aspetos emocionais, cognitivos e comportamentais associados. Desta forma, o tratamento pode ser complexo, moroso e difícil, sendo fundamental uma equipa multidisciplinar. No âmbito da psicoterapia, a Terapia Cognitivo-Comportamental para Perturbações Alimentares (TCC-E) tem demonstrado evidências científicas sólidas quanto à sua eficácia.

Além da intervenção clínica, o apoio e envolvimento dos familiares e de outros significativos desempenha um papel crucial no processo de recuperação. Um ambiente seguro e acolhedor, no qual o indivíduo se sinta compreendido e motivado é indispensável. Todavia, é fundamental que aqueles que prestam apoio compreendam a complexidade destas condições, evitando perceções e preconceitos redutores. É igualmente importante reconhecer que o impacto de uma PCA se estende para além do indivíduo que a vivencia diretamente, afetando também familiares e cuidadores, que frequentemente apresentam níveis elevados de stress, ansiedade e frustração (Treasure & Nazar, 2016). Neste sentido, a psicoeducação e grupos de apoio podem constituir recursos valiosos para a promoção de uma rede de suporte eficaz.

Em suma…

As Perturbações Alimentares não se limitam à alimentação propriamente dita, mas refletem uma interação complexa entre processos emocionais, cognitivos e comportamentais, imersos num contexto social que glorifica padrões inatingíveis e reforça a insatisfação pessoal.

Por detrás de cada diagnóstico, existe uma história; uma luta silenciosa que muitas vezes passa despercebida. No fim, a recuperação, não é apenas sobre comida, é sobre reencontrar liberdade e identidade para além dela.